Nova Rua: Mobilidade urbana ou preservação do patrimônio histórico?


Trecho de ligação para a Waldemar
Trecho de ligação para a Carlos Telles
 A prefeitura de Antônio Prado está realizando uma obra para abertura de uma rua, com pouco mais de 4,1 metros quadrados entre a Rua Carlos Telles e a Waldemar Mansuetto Grazziotin no centro da cidade.

A obra está gerando discussões, em mídias sociais e em roda de conversas. Os questionamentos são sobre a real função da nova via.

Seria para promover uma melhor mobilidade urbana no centro da cidade, desviando os veículos pesados ou uma demanda do Instituto do Patrimônio Histórico Artístico Nacional para evitar danos as casas tombadas?

Segundo o secretário de planejamento, Gederson da Luz Meotti, além de resolver as duas demandas anteriores, a rua também seria uma solicitação da empresa Nordeste Alimentos, que busca uma via alternativa para carga e descarga dos caminhões na empresa.

Conforme o titular da pasta, a concepção original da via alternativa para chegar a expedição “estava prevista para ser de mão única passando entre o moinho e a casa do Trigo, subindo em direção ao sul, com uma conversão à esquerda cruzando o terreno dos Maristas, na propriedade da Terezinha de Jesus Bocchese, saindo na Rua Waldemar Mansueto. Esse era o trajeto inicial, porém , apresentava problemas, como por exemplo, a largura da via que seria muito estreita, onde os veículos não teriam espaço de manobra podendo apenas entrar ou sair, e como não foi dado andamento para este projeto uma residência foi construída sobre o terreno que serviria de passagem," explica Meotti.

Também de acordo com o secretário, o projeto em execução, foi a alternativa mais cabível, “pois ampliou-se a área de trafego, sendo duas mãos, foi utiluzada uma usamos área do terreno onde estava instalada a escola Cenecista, de propriedade dos irmãos Maristas, passando pela propriedade da Terezinha Bocchese, e no terreno da creche para chegar a Rua Waldemar Mansueto. Esta rua também sofrerá intervenção para diminuir a inclinação facilitando o tráfego dos veículos pesados”, diz.

Para a execução da obra a prefeitura firmou parceria com a empresa Moinho do Nordeste e com os Maristas. “Ambos irão contribuir repassando valores em dinheiro para pagamento da desapropriação e para a pavimentação da via”, reforça o secretário.

Os projetos que autorizam o recebimento dos valores - R$ 165 mil doados pela União Sul Brasileira de Educação e Ensino (USBEE - MARISTAS) e de R$ 70 mil do Moinho – e as doações dos terrenos estão tramitando na Câmara de Vereadores do município.

projeto 


Obra inicia, sem o fim do processo de desapropriação.

Para dar início a obra, o poder público precisa desapropriar os imóveis pela qual o projeto da rua iria passar, neste caso, passaria pela propriedade da família de Terezinha Bocchese e USBEE ( Maristas),

De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, em seu livro “Curso de Direto Administrativo, "a desapropriação é o moderno e eficaz instrumento de que vale o Estado (governo federal, estadual ou municipal) para remover obstáculos à execução de obras públicas e serviços públicos, para propiciar a implantação de planos de urbanização, para preservar o meio ambiente contra devastações e poluições, e para realizar a justiça social, com a distribuição de bens inadequadamente utilizados pela iniciativa privada".

O processo de desapropriação de um imóvel inicia através de decreto do Poder Executivo, que deve ser divulgado, declarando a área de utilidade ou necessidade pública para fins de desapropriação. Na sequência, o representante do Poder Público encaminha uma carta convocando o proprietário do imóvel para tentativa de acordo ou entra em juízo com ação de desapropriação. Além de receber a notificação, o proprietário do imóvel, recebe a oferta com o valor do imóvel pela desapropriação. Passa-se para a segunda fase, quando a desapropriação começa a ser executada, aqui o expropriado, pode aceitar ou recusar a oferta pelo seu imóvel. Caso aceite o valor oferecido, a desapropriação se torna amigável, com a celebração do acordo. Se o proprietário não aceitar o valor oferecido, a desapropriação passará a ser judicial, ficando a decisão a cargo do poder judiciário, que decidirá qual o valor justo pelo imóvel.

Segundo informações de familiares, para desapropriação do terreno de propriedade da Tereza Bocchese, não houve um diálogo amigável, o poder executivo optou pelo processo judicial de desapropriação, o qual está em andamento na Justiça.

Baseados somente no decreto do Administração Municipal, a obra iniciou com a abertura do trajeto.

Segundo o Secretário de planejamento, a área teria sido declarada de utilidade pública, sendo assim a obra iniciou, afim de o município cumprir com seu  compromisso de oferecer uma via alternativa para a expedição de carga e descarga para a empresa Nordeste Alimentos. “Eles investiram um valor alto e o município doou parte da Carlos Telles para a construção de novos silos”, explica Meotti.


Conforme Bandeira de Mello, a desapropriação deve obedecer aos princípios da legalidade, moralidade, finalidade e ao interesse público. Caso algum desses princípios seja ferido, um cidadão ou grupo de cidadãos poderá ingressar com ação popular para anular o ato declaratório de utilidade pública do imóvel ou para desapropriação, com sua anulação.

O procedimento de desapropriação por utilidade pública, que pode se dar de forma amigável ou judicial, está regulamento no Decreto-Lei 3.365 de 21/06/41. Com o objetivo de assegurar a proteção dos imóveis residenciais urbanos, o Decreto-Lei 1.075, de 22/01/1970, estabelece a realização de perícia provisória no início do processo e antes de autorizar a desapropriação do imóvel, a fim de assegurar ao proprietário o imediato recebimento de valores capazes de permitir a aquisição de imóvel similar em outro local.


Moinho do Nordeste afirma que via é solicitação do IPHAN

Um dos motivos pela qual a nova rua está sendo aberta, conforme o secretário de planejamento do município, seria uma solicitação da empresa Moinho do Nordeste em uma via alternativa para a chegada dos caminhões a expedição. Através da assessoria jurídica, a empresa manifestou o seguinte:

“Tivemos conhecimento que o IPHAN, com o intuito de preservar o patrimônio histórico da cidade, solicitou do Poder Público Municipal o estudo de uma via alternativa para o trânsito de veículos no entorno da Igreja Matriz.

Prefeitura Municipal, responsável pela mobilidade urbana da cidade, projetou uma via alternativa, e solicitou ajuda na execução, tanto a nós como aos Irmãos Maristas, o que fizemos mediante doação de uma parcela financeira, devidamente legalizada.”


O que diz o IPHAN:Através do seu superintendente Estadual, Eduardo Hahn, o IPHAN enviou a seguinte nota sobre o caso.

“Ainda no ano de 2010 quando a empresa Moinho do Nordeste S/A foi autorizada a ampliar sua unidade fabril, já tínhamos conhecimento e preocupação com o impacto do transito de caminhões com cargas pesadas, que seguidamente danificavam as escadarias da igreja, além dos danos graduais causados em todos os imóveis tombados do entorno devido às vibrações. Neste período e foi sugerido ao Moinho do Nordeste, como uma medida mitigadora pela doação de parte de uma rua pela comunidade pradense, que apresentasse solução alternativa ao fluxo dos seus veículos. Na época foi sugerido que este fluxo passasse pela rua Carlos Telles ou ainda seria possível adquirir terrenos particulares para abertura de vias.

No mesmo período, a Prefeitura Municipal nos informou oficialmente do início dos estudos técnicos para viabilizar a abertura de uma via na parte sul do complexo industrial, em direção à Rua Valdemar Grazziotin. Também informaram que, embora envolvesse desapropriações de terrenos, o projeto seria viável e a empresa Moinho do Nordeste S/A teria conhecimento do mesmo.

No ano de 2015 este assunto foi retomado. A Prefeitura Municipal apresentou a proposta e o projeto executivo foi aprovado através do Ofício n° 0349/2016/IPHAN/RS, que remete ao Parecer Técnico n° 157/2016 que diz: “ A transferência do trânsito de veículos pesado, que atualmente passa junto à Igreja Matriz e de outros imóveis integrantes do conjunto tombado, é uma solicitação histórica do IPHAN-RS que urge ser atendida tendo em vista o agravamento evolutivo dos danos causados pela vibração de veículos de carga à estrutura dos imóveis e à pavimentação das vias, além dos aspectos relacionados à segurança dos seus usuários, pedestres e visitantes. A proposta fornece um trajeto viável, com inclinações razoáveis (entre 7% a 11,4% num espectro máximo permitido de 18% para vias urbanas) em uma rota que afasta os veículos pesados dos bens tombados, indicando ser uma solução possível e realizável”. Ainda segundo o Parecer Técnico, “a intervenção propostas nos trechos “Segmento 01” e “Segmento 02” situa-se no entorno dos bens tombados no município, em Zona de Ocupação Controlada, e sua realização não gera impacto visual que interfira na ambiência e visibilidade dos bens tombados; que a administração municipal assume o compromisso de atender as diretrizes do Iphan reproduzidas acima e de garantir que o traçado proposta mantenha as árvores de porte e vegetação de valor ambiental no terreno; que o fluxo dos veículos de carga passe a utilizar exclusivamente as novas vias conforme Projeto de Abertura de Vias de Acesso apresentado”.

Sendo assim, acreditamos que a abertura das referidas vias e a consequente transferência do tráfego de veículos pesados das imediações dos bens tombados, trarão a solução para um problema bastante antigo de conservação do patrimônio histórico da Cidade de Antônio Prado.

Eduardo Hahn
Superintendente Estadual
IPHAN-RS

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